terça-feira, 21 de julho de 2009

Bóson de Higgs, Big Bang, Moral

e alguns, quando não muitos, erros


Há alguns meses, caiu em minhas mão para ler um artigo de Percival Puggina, publicado no jornal Zero hora, de Porto Alegre, RS. Neste artigo, o autor trata do LHC (Large Hadron Collider, ou, em português, Grande Colisor de Hádrons) do CERN, do que seja em termos bem rasos o modelo padrão, o Big Bang, o bóson de Higgs, incorre em erros ao tratar cada um destes pontos, coloca algumas falácias clássicas pelo meio do caminho, faz seu proselitismo religioso próprio sobre estas falácias e sobre as noções, diria quase estapafúrdias, que faz do que seja a física específica destas questões, o que seja na verdade ciência e envereda adiante para um discurso sobre moral que eu diria no mínimo confuso em suas bases.

Mas tratemos de responder com força a este senhor, talvez desta vez não tão grosseiramente como fiz em determinado círculo.

O que é o LHC?

Este equipamento, uma das maiores máquinas já contruidas pelo homem, e pode-se apontar como uma de suas maiores instalações, em todas as variáveis que se analise, é um acelerador de partículas cuja finalidade é fazer colidir prótons em altíssimas velocidades. No mundo dos aceleradores de partículas, tamanho significa capacidade de proporcionar velocidade. Velocidade implica em energia cinética, e energia cinética, no mundo das partículas, faz surgir coisas que se Lavoisier estivesse vivo, o fariam pronunciar palavras de espanto em francês e certamente até em latim (e este esforçado senhor continuaria correto no que afirmava sobre o químico, mas descobriria que o que ocorre no mundo do quântico é um tanto diferente, mas no todo e no tempo, é exatamente o que faz o que ele afirmou sobre o químico estar plenamente correto).

Ao colidirem prótons, um dos fenômenos que primeiramente aprendemos, é que de dois prótons, surge "do nada" um píon (e aqui o nada não é um nada filosófico, um "absoluto nada", mas o que seja o que aparentemente, a determinado nível de análise, não estava ali anteriormente).

Em termos de equações, extremamente similares as de Lavoisier:

p + p → p + p + π

Mas a coisa pode se tornar mais confusa para os que pensam e entendem o mundo de uma maneira muito newtoniana, como se as coisas na sua intimidade, e esta é sempre o das partículas quânticas, fosse newtoniana, como bolas de bilhar sobre uma mesa, ou de maneira aristotélica, como as coisas apenas pudessem ser aquilo que são em essência, e já tratei do hilemorfismo, ou mais adiante ainda, tomistas, como se por passos lógicos singelos e simplistas, embora travestidos de simples e belos, pudessem-se a partir de sensos comuns e apreensões triviais e limitadas da realidade, entender tudo que nos cerca, desde o mínimo até o máximo, adiante do humano tempo e de espaço, e por fim, de comprovar o deus em que acreditamos (e destacadamente, o que Aquino acreditava). Mas esta questão última trataremos adiante, e voltemos as partículas.

Independentemente dos píons "decomporem-se" (ou se quiserem, o ainda mais errôneo "dividirem-se") em outras partículas, e alguns dos píons se transformam não em partículas com massa, mas na luz*, os prótons podem se "decompor" em outras partículas que realmente, para toda a análise, os compõe, que são os quarks, com seus exóticos nomes, dados por quem os estuda e trata.

*E por sua vez, esta luz, nos fótons, podem, simplesmente porque assim o fazem, transformarem-se em partículas com massa, idênticas as que compõe você ou qualquer pedra.

Por uma analogia com coisas de nosso dia a dia, e lembrando o bilhar acima citado, podemos dizer que no mundo quântico, quando bolas de bilhar são arremessadas umas contra as outras, com suficiente e variadas velocidades, produzem maiores bolas de bocha, ou bolas de bilhar e mais algumas efêmeras bolas de ping-pong, ou ainda, bolas de gude.

Mas dentre todos estes fenômenos, e poderíamos aqui ficar por dezenas de páginas os relacionando, uma característica, por assim dizer, da matéria e outras coisas que aos "não iniciados" (e aqui a colocação um tanto religiosa é adequada) é um problema para os físicos, e por sinal, em um ano a mais do que eu tenho de vida: o que causa o que chamamos de massa? Ou em termos muito amadores, até errôneos mas didáticos, por que as coisas pesam e o que causa isto?

Tratemos de um determinado bóson hipotético.

Aqui entra a hipotética partícula, e que seria exatamente adequada dentro da peculiar matemática aplicada da mecânica quântica, formando o que chamamos de "modelo padrão", num quadro geral de todas as partículas que formam a natureza que conhecemos, desde o menor grão de poeira até o mais vasto conjunto de galáxias, o bóson de Higgs - apelidado eu diria de maneira desastrosa de "partícula de deus" - aquela partícula que confere esta coisa simples de ser percebida e até entendida num determinado nível, mas extremamente difícil de ser entendida a pleno pelos físicos, que é a massa, e sua força "anexa", que orienta e coordena todos os grandes processos do universo, desde sua expansão, e aqui sua associação com o que seja Big Bang, a sua distribuição, em grupos de galáxias, galáxias, estrelas e até o nosso planeta e eu estar digitando neste computador sem "decolar" em direção ao espaço.

Em suma, seria a partícula fundamental no funcionamento do cosmos em seu quadro mais amplo por nós entendido, que é o universo, e fundamental na sua história, porque havendo o bóson de Higgs, entende-se porque formam-se prótons e elétrons, logo o hidrogênio, e deste, toda a química e lá estará a máxima de Lavoisier a reger as coisas, desde que mesmo uma ameba não pode se formar do nada, mas pode ser a agregação de átomos, e esta poderia se modificar até chegar a um homem, inclusive como o senhor Puggina, e isto não tem coisa alguma com o deus que ele acredita ou não existir ou ser ao menos razoável, mas apenas nos mostraria como a história do universo, desde os bósons de Higgs até o senhor Puggina, que acha que entende isto, se formou.
Portanto, provar, tentar provar que existe, fracassar, abandonar todo o modelo padrão, modificar tudo, reformar o LHC, construir outro modelo matemático que trate aquilo que chamamos de átomo, ameba, senhor Puggina, Terra ou universo apenas nos dará outro modelo destes objetos, sua história e comportamento, mas não terá como objetivo desacreditar deus algum, seja lá de quem for, nem muito menos comprovar o deus de quem seja (nem mesmo ao não conseguir provar coisa alguma que tenha nexo com o natural).

Mas neste processo de construção de conhecimento sobre o natural, curiosamente, tem-se como inexorável consequência, a destruição de determinados conceitos de divindade, desde poderosas tartarugas que sustentariam o mundo, senhores atléticos de barbas longas que lançariam raios das nuvens, ou mesmo exóticos espíritos indeléveis, que apontando sabe-se lá com que dedo, formariam do barro até tartarugas, e talvez por graça, o antepassado mais longínquo do senhor Puggina.

Portanto, a ciência é força destruidora, mesmo quando destruída e refeita, e fé alguma é por ela construída, nem destruída, pois a fé é pessoal e intranferível, no máximo, concordada entre grupos humanos, as vezes os piores possíveis, e também seguidamente com os piores resultados para estes, mas infelizmente para estes, faz, e com força devastadora sem igual, a que os imbuídos de pífias e até ridículas certezas, mesmo que em enorme grupo, descubram que sua fé nada é mais que uma tolice, frente a absoluta e poderosa natureza, que apenas propicia por sorte que os humanos vivam e tenham suas fés infantis sobre este planeta, basta se ver a história da vida com suas extinções ou mesmo a história com suas catástrofes.

Se é uma divindade protetora que causa isso, esta nossa momentânea e nem tanto sorte de milhões, e até bilhões de anos de nossa linhagem biológica, eu não acredito, nem coisa alguma se mostra assim evidente, mas que outros acreditem, pouco me interessa, só não comecem a achar que porque em determinasas coisas acreditem tenhamos que os obedecer, ou mesmo aceitar suas necessidades quase patológicas de um relojoeiro atrapalhado, tão incapaz e limitado que tem que a cada instante intervir em sua criação, corrigindo erros e moldando coisas, porque naquele humano momento, decidiu mudar seus atos, porque agora de algo precisa, inclusive quem o idolatre.

Antes de continuarmos, alguns alertas.

Mas temos de ter extremo cuidado ao lidar com questões de cosmologia, que apenas trata, no momento, de como evoluiu no tempo nosso universo, a partir de densidade e temperatura altas em seus primeiros instantes, rumo a sua atual apresentação, que não é nem um pouco em essência diversa já desde tempos antes de nosso próprio planeta existir. O que seja o Big Bang não é a origem primeira de tudo-que-existe, nem tampouco, pode-se dizer que o próprio universo seja este tudo. O que é o Big Bang, para todo físico cauteloso, é apenas o hipotético momento a partir do qual tratamos o universo como apresentando seu comportamente de expansão, com consequentes reduções de densidade e temperatura. Não se pode afirmar se um "nada" existia antes deste processo, e nem mesmo que nosso universo seja um único contexto para toda a realidade, seu todo. Estas questões são muito bem tratadas pelo cosmólogo brasileiro Novello, quando afirma que usar o que seja o Big Bang como um momento de criação do tudo a partir do nada, ou mesmo de nosso próprio universo, se um de alguns ou muitos, a partir de algo que se afirme como um início propriamente dito, sem tempo algum definitivamente anterior, trata-se de um "mito de criação científico", e na verdade, tratado deste modo, é apenas uma credulidade, e não uma afirmação científica.

O universo na sua estrutura mais ampla, que chamo de "estrutura de esponja de banho", onde as camadas vistas com brilho são filamentos e "cascas" de galáxias.


Para piorar a situação, trata-se em cosmologia de um tempo mais complexo e rebuscado que o que se marca com relógios, pois fortemente este é associado com densidade/campos gravitacionais e não pode ser tratado a não ser com curvas que apresentam flexões impensáveis ao humano, a não ser com muito treinamento, ainda mais quando retrocedemos no próprio tempo até os momentos de densidades e temperaturas inexistentes hoje no universo.

Nestes tempos iniciais de nosso atual (talvez) ciclo, a natureza exótica aos nossos olhos produziu reações entre as partículas, suas modificações, que hoje não mais evidenciamos, pois não temos mais aquelas densidades e temperaturas (e devo salientar, em física, uma coisa, nesta escala, é intimamente tratada junto com a outra). Assim a formação dos próprios prótons que hoje tentamos colidir para descobrir se sabemos ao menos matematicamente o que lhes causa massa ocorria, e hoje mesmo nas maiores e poderosas estrelas, não mais. De certa maneira, e cuidemos porque os termos aqui podem ser traiçoeiros, o universo a medida que envelhece perde mais seu poder criador, mas ganha sempre em capacidade de produzir complexas combinações, haja vista as rochas, as amebas, ou mesmo o senhor Puggina.

Eu costumo tratar o tempo da física usual, como o tempo trivial, aquele em que bolas de bilhar demoram para cair de mesas, e tempo cosmológico o que contenha estes comportamentos anômalos, assim, dentro do que sejam universos (ou só o único nosso universo) como um ciclo, do qual adviemos de uma contração, revertemos numa expansão, este total de dois ciclos seria tratável num tempo cosmológico, e o que vivemos desde o Big Bang, na sua imensa maior parte como um tempo trivial. Mas fique claro que a tratativa é minha, para eu próprio entender a questão, ou passá-la adiante, ainda que limitadamente. Os especialistas certamente lidam com tais questões de forma muito mais específica, e com outros termos mais técnicos.

Uma representação esquemática do hipotético "universo autoreprodutivo", que prefiro chamar de "universo uva japonesa", no qual a partir de deformações locais de um universo, surgem outros. Este conceito é muito mais complexo que um universo cíclico, e mesmo assim, coerente com teorizações físicas.


Logo, novamente por analogia, nem mesmo a cronometragem das confusas partidas de bilhar com suas bolas em variação da mecânica quântica e da cosmologia podem ser cronometradas com nossos relógios e cronômetros de controlar partidas convencionais.

Portanto, o que seja a cosmologia é apenas a ciência que trata do maior objeto possível de ser estudado, que é nosso bolsão espaço-temporal (e inclusive, de como este próprio espaço e tempo são criados e evoluem), sua matéria-energia e seu comportamento neste espaço e tempo, e nisto sua história, sua evolução, e nada mais. Nas palavras também de Novello, é a própria refundação da física, pois trata das característics e história da textura espaço-tempo onde tudo que evidenciamos se dá, onde o que é físico ocorre.

Agora, uma condição para continuarmos.

Para tratarmos neste universo, agora plenamente claro que para o que seja científico apenas de si mesmo necessita, da moralidade, consideremos que existe tal ser, e seja absoluto, e seja perfeito, e seja bom, e seja justo, o mais correto e caridoso dos pais, e tratemos do que seja a moral dos macacos pelados e de como uma coisa não tem coisa alguma a ver com a outra.

Dado este primeiro passo forçado para demonstrarmos alguns pontos, apontemos algumas falácias.

Como vimos, pode-se ter fé num ente criador cuja criação é o próprio conjunto de coisas que compõe as coisas e até o tudo e que posteriormente, e inclusive produzindo o que seja o tempo onde se dá o posteriormente, se alteram, se recompõe, se agregam pela forças e se aglutinam pelos seus mecanismos próprios. Também poder-se-á não ter fé alguma, e só observar que tais coisas assim são se operam, e nem se pensar que para tais processos ocorrerem como se evidencia, e aqui destacamos que nestes fatos e processos não se acredita, mas apenas se aceita, e exatamente serão iguais aos evidenciados por quem tem fé. O que não se pode colocar é que a existência de um ente criador derrube o que sejam tais fatos.

Agora, se ele considera que seja miraculoso a enorme quantidade de matéria do universo,... perdão, vou me corrigir: a matéria do universo, que é toda que conhecemos - logo não pode ser algo comparável a outra coisa - não pode ter estado concentrada num ponto menor que a cabeça de um alfinete, e necessita-se de para qualquer passo posterior da interferência de um ser operante, eu afirmo, mesmo que traindo meu peculiar panteísmo, que minha divindade é muito mais poderosa, pois além de ter propriciado tudo onde tal ser opere seus jogos, ainda criou tal jogador, e portanto, até me baseando nos erros infelizes de Aquino, exatamente pela mesma argumentação deste, chegaremos ao ponto que o jogador é inferior, e portanto, não pode ser o verdadeiro criador.

Logo, usando a própria retórica de Puggina, eu afirmo que ele pode crer neste "duende" insignificante que brinca com estrelas, mas o meu deus é o deus deste duende, e este deus não necessita operar coisa alguma, pois sua criação é tão perfeita e autosuficiente que inclusive inclui o atrapalhado duende que a opera.

Mas claro que as falácias do corajoso senhor que se embrenhou em física complexa, mundos que aparentemente não entende e raciocínio mortos desde o século XVIII, não terminam por aí, e adiante apelou para uma das mais perigosas falácias num dos mais perigosos terrenos, que é o da moral humana associada à religiosidade ou a noção de uma divindade personalizada.

Antes de continuar, convém lembrar a todos que me leem que a questão de ao colocar-se uma divindade como resposta para a mais profunda das questões científicas, tratada de maneira lapidar por Heidegger com a pergunta "Por que existe o ser e não o nada?", não encontra resposta nem para uma rocha, nem para uma ameba, nem para o senhor Puggina, nem no universo inteiro ao dizer-se que existe um deus que este tudo criou (sem tratar ainda dos problemas que Espinosa criou para tais argumentos), pela simples pergunta de uma criança, que exemplifica umas das dicotomias apresentadas por Kant: -Mas quem criou deus?

Logo, não sabemos a resposta para a fundamental pergunta da filosofia e da ciência, mas sabemos qual resposta não deve ser dada, e que coisa alguma soluciona.

Por outro lado, não necessito de deus para operar meu GPS, nem mesmo para a porta de meu microondas ser segura quando olho uma xícara de café dentro dele. E são exatamente as mesmas coisas que permitem a um GPS ser preciso ao longo dos meses, e ser seguro meu microondas, que respectivamente são respostas para a história mais basal do universo, assim como se compôs no tempo. Logo, "não deus" me e nos é útil, mas deus não, e adiante, mostraremos que não é para uma imensa maioria da população humana, sem nem mesmo falarmos da poderosa natureza, que absolutamente nenhuma percepção tem das inúmeras fés humanas, quanto mais, de uma específica.

Mas anteriormente eu assumi, momentaneamente, que esta resposta pode ser dada por "deus", e serei honesto, e em tal base avançarei sobre as perigosas afirmações do senhor Puggina.

Temos de primeiramente dizer, e tal na história me parece claro, que qualquer que tenha sido a divindade em que os seres humanos tenham acreditado, esta de forma alguma os impediu de imoralidades, seja em que campo. Também, já desde o início temos de perceber na história, que inúmeros povos com divindades completamente diferentes das cristãs foram morais, e tanto ou mais quanto os mais fervorosos cristãos (porque evidentemente a argumentação do senhor Puggina é por uma divindade cristã, e não por Vixnu, por exemplo).

Mas basta abrir qualquer jornal ou fazer uma viagem e descobriremos que para argumentar neste campo, nem se necessita do histórico, pois vamos aos fatos atuais. O budismo, moral até a raiz dos cabelos de seus carecas monges, é uma religião desprovida de divindade pessoal, logo, diversa completamente do cristianismo ou do islamismo, de mesma raiz na personalização da divindade, ambas nascidas do judaísmo.

Igualmente moral é o aparentemente a primeira vista politeísta Brahmanismo, a mais antiga das grandes religiões, e com o agravante de que a fundo, o Brahmanismo é em Brahman - não confundir com Brahma, da trindade Brahma-Vixnu-Shiva - uma religião na verdade panteísta. E sejamos sinceros, basta comparar o níveis de criminalidade da enormemente populosa Índia com países cristãos fervorosos como o México para percebermos de maneira cristalina que a moralidade dá mais e mais sinais de não ser associada à divindade cristã e sua aceitação/fé diretamente.

Mais destrutivo a este argumento ainda seria o Confucionismo, que propriamente não é uma religião, mas um "sistema de conduta moral", e apenas com esta expressão a argumentação já poderia ser encerrada neste ponto, mas o desejo de escrever longamente e fragmentar qualquer resquício de argumento do senhor Puggina ao pó me levará adiante.

Logo, ao contrário do que o senhor Puggina pensa, por estas diversas, extensas historicamente e numerosas provas, uma divindade criadora não é necessária para haverem "leis naturais", muito menos uma "ordem moral", e que ao que tudo parece, por mais que o homem tenha rezado a uma tal divindade criadora, esta não só não nos salvou de coisa alguma na natureza, mas ao contrário do pensado por este senhor, muitas vezes, quando mais acreditada, levou os humanos até os piores de seus atos.

Ao contrário do que o senhor Puggina pensa, exatamente não ter uma religião propriamente dita leva os chineses desde tempos remotos a reprovar a covardia, levou os romanos crentes em um Júpiter até adúltero a reprovar a traição, levou os gregos e seus belicosos deuses a reprovar a mentira, leva os indianos e sua miríade de deuses a serem mais honestos que a média dos mais fervorosos cristãos. Exatamente acreditar nos seus deuses exóticos ligados à Terra levava os povos celtas a valorizar também o amor, aos persas e seu zoroastrismo, que ainda guarda muitos dos embriões das diferenças entre o cristianismo e o judaísmo mais original a também valorizar a solidariedade, os egípcios e sua Maat a valorizar a justiça, aos japoneses e seus deuses a serem fundidos com os princípio do budismo a paz, aos romanos e o desenvolvimento do seu direito, que herdamos a ordem e aos gregos e sua filosofia nossa conceituação de princípios de liberdade.

Exatamente a ordem moral proposta pelos cristãos que levou a destruição inicial de qualquer cultura próximo ao fim do império romano dentro de suas fronteiras, e tal processo continuou pela Idade Média adentro. Exatamente esta mesma ordem moral levou ao massacre, o roubo e a cobiça as coisas alheias da civilização árabe muçulmana, pois estes não viam em Jesus deus, mas apenas um profeta com papel mais baixo que seu próprio profeta.

Exatamente a ordem moral cristã que levou papas não a terem amantes, mas bordéis, pois haréns seria ofender a relativa moralidade muçulmana, onde não há o que seja um adultério, apenas não simpática aos conceitos de moral de classe dominante de nossa civilização cristã ocidental, e aqui, recomendaria que o senhor Puggina não lesse meu texto, mas sim, o grande mestre neste campo, que é Nietzsche. Exatamente a luxúria dos cristãos é que produz o maior volume de pornografia do mundo, e não os deuses indianos e suas roupas semitransparentes, ou sua antiga estatuária erótica.

Quanto a pecados de tom um tanto prático, como a avareza, o senhor Puggina que justifique como as maiores concentrações de riqueza e diferenças brutais de renda se dão nos países mais cristãos do mundo, e não na crescentemente atéia ou "a-religiosa" escandinávia.

Quando afirmar que a crença nesta divindade criadora judaico-cristã conduz à preguiça, compare os chineses com os brasileiros, ou qualquer sul americano, inclusive com alguns de seus exércitos, onde curiosamente, só se ingressava há poucos anos sendo católico.

Quando achar que acreditar num deus criador conduz também à repulsa pela dignidade humana, nem lembre da Inquisição, mas visite tanto a África cristã quanto a muçulmana. O mesmo para a tortura.

E quanto ao que possa ele ter se expressado como sendo aborto, pois aos meus olhos e ouvidos esta palavra demanda conceituação muito mais complexa que um simples método de eliminação de gravidez indesejada, compare sem dúvida alguma os milhares de abortos entre famílias de nosso cristão Brasil com quaquer outro país não cristão. Os números serão surpreendentes, garanto.

E tomando de frases deste senhor, por que escrevo sobre coisas assim, quase óbvias?

Porque estão se tornando cada vez mais insistentes as investidas de crentes em divindades pessoais (no sentido de divindade personalizada) e grupais (no sentido de grupo que nela crê), e destacadamente criadoras e atuantes na natureza, seja com a insanidade de afirmações que o sejam, como a que comprovar a existência de uma partícula que é responsável por uma das características da matéria, e causou o comportamento do universo em seus primeiros momentos e até hoje, e seu deus estranho que tem de formar coisas para que seja acreditado for mostrado como desnecessário neste processo, leve inexoravelmente o mundo ao caos, quando ao que mostrei, quem repetidas vezes levou ao caos o mundo, e ainda tenta levar, é exatamente quem crê numa divindade operante e criadora.

E como pretendo não deixar pedra sobre pedra neste tema, explicarei o porquê.

Porque quem se arvora de ter um protetor celestial - como coisa que a primeira tempestade, enchente ou vulcão, qualquer esperança de uma divindade providente controladora da natureza não se transformasse no maior dos "sádicos voyeristas" - acha que por nele crer se torna transcendente ao humano, e inclusive, infindo, mas deveria saber, pelo que nos mostraram de maneira esmagadora os grandes filósofos ateístas do século XIX (que até como filósofos foram menores, mas neste campo foram mestres), que o homem finda, e nada no humano transcende o que seja humano, e divindade alguma providente e protetora existe, seja a quem for, tão claro quanto é certo que finda o homem e certo como nenhum homem consegue ao menos voar como um simples pardal, quanto mais impedir uma tempestade, uma enchente ou um vulcão.

Aqui, "sábios tolos" e crédulos do passado, com imensos erros, debruçaram-se longamente, e não alcançaram resultado algum, como Agostinho e Aquino, e neste debruçar, e para continuar e somar, acrescentarei Aristóteles, quando todos concordam que não pode ser a divindade que conduz ao bem, mas sim, a escolha do humano - exatamente quando percebiam que não poderia ser o comando ou mesmo o temor de uma divindade que o fizesse. E muitos de nossos mais profundos e universais atos morais não são frutos de escolhas conscientes, mas sim, de necessidades de sobrevivência do humano como um todo, como nos provou Kant com seus universais, cujo discurso contém erros, mas não é de todo um erro, e mais e mais são corroborados pelo esmagador resultado no sociológico, de nosso coletivo, das implicações do processo evolutivo e de sua sempre inseparável seleção natural.

Em outras palavras: não esmagamos crianças com os pés porque somos bons, mas porque se esmagar crianças fosse de nossa mais íntima natureza, não estaríamos mais aqui. Neste ponto, Kant encontra Darwin e seus posteriores, e tal encontro nunca mais será desfeito, na duração finita da mais elevada cultura humana (e ao que me parece, ainda não existe outra).

E exatamente por esta mesma natureza evolutiva, seguidamente estupramos crianças, as torturamos e as jogamos pela janela, por notável exemplo, e isto está tanto em nossa primata natureza como nos comovermos ao encontrar não uma criança na sarjeta ou no lixo, mas já ao encontrarmos um filhote de cão ou gato.

Portanto, para consolidar esta idéia bem, citarei o brilhante Alan Moore, em Watchmen, com pequenas adaptações minhas: não é deus que sequestra uma menina, a mata e a dá de comer aos cães, somos nós. Assim como também somos nós que devolvemos um troco dado a maior num supermercado, cedemos lugar para uma mulher grávida num transporte coletivo ou deixamos um senhor idoso passar a nossa frente numa fila num aeroporto, como certamente faz o senhor Puggina, sem ao que me parece, ser um ser todo poderoso que perca seu magnífico tempo o cutucando ao ombro para lembrá-lo destas coisas.

Aliás, antes do fim, uma opinião pessoal: acho que todo homem que só age bem por medo da fúria de uma divindade um traste, um canalha e mais meia dúzia de desagradáveis adjetivos, nada mais.

Portanto, a "vela no escuro" que é nossa ciência em sua esperança de iluminar o mundo, não é uma fogueira a queimar os crédulos, não é nem boa nem má - pois é apenas uma reta a tentar tangenciar a verdade - mas a iluminá-los para que entendam que seu deus ter de sair de determinados lugares é uma necessidade racional, e para onde tal divindade for, não estará tão distante ou tão próxima que não continue a ser inútil aos homens ser bons ou maus. Apenas sem tal vela, continuarão ignorantes, não muito distantes de como o foram quando inclusive comiam seus semelhantes por simples fome.

2 comentários:

Ernesto von Ruckert disse...

Magníficas palavras, postas com extrema propriedade, estilo, elegância e precisão.

Anônimo disse...

Esse senhor é bastante inteligente. Mas, cuida a seu modo, de ser uma espécie de deus, criador de uma teórica apologia sobre seus conceitos e visão das coisas, inclusive da matéria e da anti-matéria.
Odlave