quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A Origem (III)

... de muitos erros


Mantendo meu leitor não perdido em meio a este labirinto:
 
Parte (I)
 
Um sonho dentro de um sonho
 
Parte (II)
 
A velocidade de operação da mente




Era vermelho meu Jeep de lata?

(Ou vermelho - ou de qualquer cor - o vestido de Talulah Riley em 'A Origem'? Pois ao não achá-la tão bonita quanto teria de achar Robert Fischer, o personagem de Cillian Murphy, tal cor não registrou-se em minha mente.)

Recentemente, surgiu um determinado personagem em debate sobre a mente humana que apontava que sendo a percepção de cores (destacadamente) e inúmeros outros processamentos de informações, os próprios pensamentos, subjetivos (todo processo mental seria uma subjetividade), não poderiam ser oriundos de algo objetivo, como a matéria (que como, digamos ‘sólido’, é uma objetividade). Em suma, seu argumento é que a mente não pode ser fruto do material, pois se o mental é subjetivo, o material seria ‘objetivo’.

Primeiro, que o que seja objetivo ou subjetivo é uma avaliação mental, e aqui entra o conceito amplo em Filosofia de valor (no caso, de 'valoração da verdade', ou o que seria 'validação'). O cérebro, já que organização de moléculas, é obviamente material, e ninguém em sã consciência discute isso. Mas o que seja subjetivo, como a agradabilidade de um tom musical, ou para mim é a que é a mais bela das cores, que é o azul-cobalto, é uma subjetividade, uma validação de uma mente, no caso a minha, com limitado ouvido ou péssimo gosto para cores (a depender, inclusive, das validações subjetivas de alguém).

Uma analogia aqui é perfeita para a questão: um CD grava sons por uma codificação de traços e espaços, em uma espiral de armazenamento linear (não é setorial, como a gravação num HD, ou mesmo nos CD de dados como planilhas - perdão, mas aqui pouperei o leitor de mais detalhes, pois acho que tais fatos já bastam, ainda que com talvez algum erro).
 

A superfície ampliada de um CD, e sua forma de codificação.
 
Parece-me óbvio que isto não é som, que seria a vibração de um fluido transferindo energia. Mas quando anexo a um hardware adequado, com um nível basal de software adequado, tal meio com tal codificação produz sons, de alta fidelidade, frente aos sons originais, que seriam completamente, digamos, os ‘naturais’.
 
Logo, o cérebro pode, mesmo não contendo o que seja um som, ou uma cor, armazenar, processar, compor e recompor, manipular mentalmente sons e cores, fora qualquer coisa apreendível pelo sentido, mesmo ilusões de ótica como as mostradas em A Origem. Ou mesmo, em cérebros aptos, estruturas impossíveis em três dimensões ou mesmo geometrias diversas das clássicas e mesmo das típicas da física moderna, que na verdade, são as únicas que podem modelar o mundo.
 
Eu concordo que quando se trata de sons, a destruição de um tal argumento, que julgo mais que falacioso, pela não materialidade da mente humana se mostra claro e evidente. Mas quando a questão são cores, temos de abordar um conjunto maior de questões.
 
As cores, tais como as vemos e pensamos, só existem em nossa mente, a partir da captação dos fótons, por proteínas específicas em nossos olhos, e processamento. Uma analogia analógico-digital aqui seria útil, mas pulemos esta abordagem.

Podemos supor que os cães, que possuem uma boa visão abaixo da frequência do nosso vermelho, vêem o vermelho similarmente a nós, embora, categoricamente, não vejam em cores. Mas não poderíamos dizer o mesmo das aves, que inclusive se selecionam sexualmente pelo seu colorido, e até coloridos aplicados a seus ninhos.

Notemos que dividimos um passado ancestral amniota com os coloridos papagaios e araras. Logo, podemos supor (e talvez até existam poderosos estudos sobre tal) que a mentalização da frequência de luz vermelha em suas mentes seja a mesma de nossa primata mente.

Mas pouco interessa. A associação da frequência correspondente a um comprimento de onda em torno de 630 a 740 nm com a mental cor vermelha é o que interessa. Se mesmo você tal frequência como o que seja o ‘meu verde’, ainda sim, uma escala de associações de “cores mentais” existirá entre a mentalização das frequências de luz da natureza (dentro do visível) comparável entre eu e você e qualquer ser humano normal.

Este "signo", que é o 'mental vermelho' (pelo menos para o vermelho que o meu cérebro aponta como tal), nasce, surge no processo evolutivo como um padrão de operação cerebral para a interpretação visual do que seja a útil cor vermelha, tanto do sangue quanto de frutas saborosas e talvez, até de venenosas, que serão distinguidas por associação com o sabor amargo, outro "signo" mental associado aos alcalóides e outras substâncias tóxicas (‘nada em biologia se afirma que não seja à luz da evolução’).

A cor vermelha, pelo seu impacto no humano, é usada por criadores e técnicos de diversas áreas (e muitas vezes, com as piores intenções).


Aqui, o que seria anormal seria a confusão entre frequências e suas mentalizações, tal como no daltonismo. Noutras palavras, você pode começar a ver/pensar o que eu julgo laranja onde eu ainda vejo vermelho, mas mesmo assim, a frequência de luz será o que será (‘a verdade é aquilo que é’, máxima desde Aristóteles) e o processo mental que o classifica e julga, podemos dizer 'valora', será apenas o de sempre, o processo eletrolítico/neurotransmissores em um substrato biológico, que é o cérebro.

Já cores como o magenta, que não é associada a uma única frequência de luz, pois é composta, é fruto de uma classificação, desenvolvida no evolutivo - mais uma vez, coisa alguma se afirma no biológico que não seja iluminado pela evolução - para mentalizar, selecionar (vá lá que alguma fruta saudável e saborosa, não tóxica, seja destacadamente desta cor) a mistura de frequências de luz que classificamos entre o azul e o vermelho. Aqui, ponto por ponto, partícula por partícula, até fóton por fóton, entra novamente o que posso perfeitamente chamar de 'resolução'.

Notemos que o mesmo conceito de 'signo' podemos aplicar ao que seja o que chamamos/interpretamos como branco, que é um equilíbrio de todas as cores do espectro de nossa visão primata, e o preto, que é a ausência de todas. Já o verde, curiosamente, como bons animais arbícolas em nossa origem, além de vegetarianos, é nossa cor mais sensível.

Similarmente, mesmo inferiores a nós em cores, os cães, por maior resolução auditiva, onde eu, por mais ouvido que tenha, percebo uma nota lá a 540Hz e só percebendo uma nota 1/12 avos acima e 1/12 abaixo de frequência, e num piano com 8 oitavas só ouviria aquele “temperamento”, aquela afinação, um cão ouviria e distinguiria dezenas de vezes mais nuances de sons, ao ponto, de como notório, reconhecer, entre dois carros idênticos de seus donos, a qual deles pertence, mesmo antes deste dobrar a esquina.

Aqui, almas menos céticas e menos cientificistas, tentam colocar poderes além do biológico nos cães, da mesma maneira que procuram colocar estruturas eternas, transcendentes em suas mentes, e se possível, uma mente similar que controle até seus seus destinos primatas, da mesma maneira que tentam controlar seus cães.

Realmente, em busca disto, argumentam por qualquer meio ou caminho, talvez porque não perceberam que os piões deste tipo de argumento há muito pararam de girar equilibrados.

Mas independente de nossas mentes concordem ou não sobre a cor vermelha do meu Jeep de lata, será que podemos afirmar com absoluta segurança que existe ou existiu meu Jeep, que era vermelho, que existe Passo Fundo*, onde com ele corria ladeira a baixo, causando medo em meu pai, ou mesmo tudo que captamos do mundo, ou dele memorizamos?

*Ainda que acredite com esperança que exista minha conterrânea Letícia Birkheuer, ou, para quem gostou, Talulah Riley, de A Origem.




Citando A Origem, será que possuímos um único totem absoluto que nos permita confiar na realidade? O pião (ou o anel - cinéfilo mais atento, esperto ou informado) do personagem de DiCaprio, Cobb, é confiável?

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