terça-feira, 26 de julho de 2016

Pseudociências - 2


Escrevi esses dias, num tópico no Facebook sobre “curas quânticas e etc”:

Valei-me, pequenos "Amits Goswamis" procriando como bactérias!
amit 1.jpg
“Fofo”, não?

O mundo “pseudoquântico” aproveita conceituações sérias e formais, como a interação que existe entre observado e observador - na medida que eu observo um elétron, por exemplo, o fóton que vem dele em minha direção produz/produziu uma alteração em sua posição ou velocidade, o princípio de incerteza - o que pode ser entendido nesse caso como em que não havendo esse fóton que vem/veio em minha direção, não há/haveria a observação, assim como em essa havendo, altera-se o estado da partícula em questão (inicialmente, pois ela perdeu energia, o fóton, que foi absorvido pelo seu instrumento de medida ou simples e direta visão).

Mas os “pseudo” dão um salto falacioso, e afirmam que o meu observar “altera a realidade”. Sim, dentro de um comportamento “puntual”, claro, acabei de o sustentar, mas não de um ponto de vista macroscópico, mediano, estatístico, e praticamente todas as coisas do mundo tem um natureza multiparticulada, mas voltaremos a esse ponto um tanto adiante.

Primeiramente, temos de perceber que eu altero um elétron, voltando a nosso exemplo mais que típico, exatamente pois esse interagiu com meus sentidos ou meus instrumentos, mas não que essa alteração foi causada por ato de minha vontade. Noutras palavras, não desejei e comandei o que seja a alteração em seus valores (a direção, o sentido, o ângulo, a própria intensidade, a escala dessa). Tratando com mais ênfase do ponto “intensidade”, me parece bem racional que vejo fótons do vindos do Sol, mas tenho certeza que não é minha vontade capaz de alterar sequer as turbulências e convecção dos quentíssimos gases de suas camadas mais externas, quanto mais, o colossal conjunto de reações e trocas que ocorreram em seu centro. E após essa emissão ter ocorrido, goza de uma certa aleatoriedade nos próximos passos, pois o elétron continua interagindo com o mundo, a começar pois dentro da própria verborreia dos “pseudo”, há outros observadores. Há uma relação causal da alteração com minha observação, que por sua vez, é consequência de uma emissão que causou a alteração frações de segundo que seja desde a emissão do fóton, mas não há um comando nessa alteração obtida - o “eu (por vontade e genericamente) altero a realidade”.

Resumindo em palavras simples, as afirmações dos “pseudo” são ao final, uma “quantizada telecinese”, sem mecanismo, que não se ampara nas reais e formais afirmações da Mecânica Quântica. Se na verdade não decido realmente com minha observação sequer o mais detalhado andar pelo mundo de um único e levíssimo elétron, como “decidiria” e atuaria sobre números de dezenas de casas decimais de elétrons e ainda muito mais massivas partículas, como há numa simples bola de bilhar?

Assim, não, altero muito limitadamente o mundo, mas muito mais, o mundo me altera.

Voltando ao que seja o multiparticulado, o simples caso de um meteoro ou um cometa caindo (vindo de um universo essencialmente estocástico e caótico, e mais que obviamente pultiparticulado), um vulcão (a caoticidade e igualmente natureza estocástica da geologia), o desabamento de uma caverna (idem), outro exemplos dos muitos processos estocásticos da natureza, a imposição da vontade alheia (a relativa liberdade - segundo a moderna Neurociência), pois os humanos em seu conjunto também são um processo estocástico (população, “manada”, “hordas”, “turbas”, etc, como bem mostram nossa história não muito racional), e esses humanos, mesmo em grandes populações, são vítimas e objetos a serem impulsionados pela miríade de processos estocásticos anteriormente citados. Nem falemos da vontade dos predadores, ação por mais instintiva e automática que seja de parasitas e outras pragas, pois nem só de humanos e sua vontade foi alterada e até encerrada o viver dos humanos em sua história

Assim, é fisicamente coerente dizer que minha (nossa!) existência altera o mundo, mas não é muito distante da simples tolice dizer que minha vontade, “quanticamente”, altera o universo.

O universo - a natureza - incluindo a nós mesmos, simplesmente no seu conjunto, desde a escala microscópica até a cosmológica, simplesmente é indiferente à nossa vontade além de uma escala muito limitada em massa (não conheço ninguém que per capita movimente mais que algo próximo de tonelada, e mesmo assim, em situações bem limitadas) e em tempo (se conhecerem alguém com valor significativo de idade acima de um século, por favor, me avisem!).

Recomendação de leitura
Osvaldo Pessoa Jr. ; O Sujeito na Física Quântica; Epistemologia, Lógica e Filosofia da Linguagem – Ensaios de Filosofia Contemporânea, ISBN 85-7395-055-2, Núcleo de Estudos Filosóficos – UEFS, Feira de Santana, 2001, pp. 157-96. - www.fflch.usp.br

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Pseudociências - 1



O físico Robert L. Park publicou no Chronicle Review um artigo intitulado "The Seven Warning Signs of Bogus Science" - "Os sete sinais de aviso de pseudociência" - para que os leigos possam identificar mais facilmente o que é ciência do que não é...

O texto está aqui: www.quackwatch.com

Obs.: Acrescento traduções parciais dos “sinais”. Com o tempo, espero publicar a tradução completa do texto.


voodoo-science.jpg


Os sinais são

1- O pesquisador expõe sua descoberta diretamente na mídia;

A integridade da ciência repousa sobre a disposição dos cientistas em expor novas ideias e descobertas para o escrutínio de outros cientistas. Assim, os cientistas esperam que os seus colegas revelem novas descobertas inicialmente para eles. Uma tentativa de contornar a revisão por pares, tendo um novo resultado diretamente para a mídia, e daí para o público, sugere que o trabalho é pouco provável que surja fechando o exame por outros cientistas.


Um exemplo notório é a reivindicação feita em 1989 por dois químicos da Universidade de Utah, B. Stanley Pons e Martin Fleischmann, que tinham descoberto a fusão fria - a maneira de produzir fusão nuclear sem equipamentos caros. (Nota: e condições extremamente rigorosas.) Os cientistas não reivindicam afirmações até que leem relatórios em uma conferência de imprensa. Além disso, o anúncio foi tratado em grande parte com o potencial econômico da descoberta e era desprovido do tipo de detalhes que poderiam ter habilitado outros cientistas a avaliar a força da reivindicação ou repetir a experiência. (O anúncio de Ian Wilmut que tinha clonado com sucesso uma ovelha era tão público como a alegação de Pons e Fleischmann, mas no caso da clonagem, abundantes detalhes científicos permitiram aos cientistas julgar a validade do trabalho.)


Algumas afirmações científicas evitam até mesmo o escrutínio de repórteres aparecendo em anúncios comerciais pagos. Uma empresa de alimentos saudáveis comercializou um suplemento dietético chamado de "vitamina O" em de página inteira de anúncios de jornal. A "vitamina O" acabou por ser água salgada comum.



2- O pesquisador alega que forças do "status quo" boicotam seu trabalho;

A ideia é que o establishment (científico) presumivelmente parará sem motivo para suprimir descobertas que podem mudar o equilíbrio de riqueza e poder na sociedade. Muitas vezes, o descobridor descreve a ciência mainstream como parte de uma conspiração maior que inclui a indústria e o governo. Afirmar que as companhias de petróleo estão frustrando a invenção de um automóvel que funciona com água, por exemplo, são um sinal claro de que a ideia de um tal carro é bobagem. No caso de fusão a frio, Pons e Fleischmann culparam sua recepção fria aos físicos que estavam protegendo a sua própria investigação em fusão “quente”.
3- O efeito alegado sempre está no limite do experimentalmente detectável;
Infelizmente, nunca há uma fotografia clara de um disco voador, ou do monstro de Loch Ness. Todas as medições científicas devem lidar com algum nível de ruído de fundo ou flutuação estatística. Mas se a relação sinal-ruído não pode ser melhorada, mesmo em princípio, o efeito não é provavelmente real e o trabalho não é ciência.
Milhares de artigos publicados em parapsicologia, por exemplo, afirmam denunciar casos verificados de telepatia, psicocinese ou precognição. Mas esses efeitos aparecem apenas em análises torturando estatísticas. Os pesquisadores podem encontrar alguma maneira de aumentar o “sinal”, o que sugere que ele não está realmente lá.


4- A evidência da descoberta é anedótica, ou seja, é uma evidência pessoal que nunca foi comprovada cientificamente.


Se a ciência moderna tem aprendido alguma coisa no século passado, é a desconfiar de evidências anedóticas. Porque anedotas têm um impacto emocional  muito forte, que serve para manter crenças supersticiosas vivas numa época de ciência. A descoberta mais importante da medicina moderna não são vacinas ou antibióticos, é o teste duplo-cego randomizado, por meio do qual sabemos o que funciona e o que não funciona. Ao contrário do que diz o ditado, "dados" não é o plural de "anedota".


5- O pesquisador diz que alguma crença tem crédito pelo simples fato desta ter durado por séculos;

Há um mito persistente que centenas ou mesmo milhares de anos atrás, muito antes que alguém soubesse que o sangue circula por todo o corpo, ou que os germes causam doenças, nossos ancestrais possuíam remédios milagrosos que a ciência moderna não pode entender. Muito do que é chamado de "medicina alternativa" é parte desse mito.


A sabedoria popular antiga, redescoberta ou reembalada, é improvável que coincida com a produção de laboratórios científicos modernos.

6- O pesquisador trabalhou em isolamento;


A imagem de um gênio solitário que luta em segredo num laboratório no sótão e acaba fazendo um avanço revolucionário é um “gancho” de filmes de ficção científica de Hollywood, mas é difícil encontrar exemplos na vida real. Avanços científicos hoje em dia são quase sempre sínteses do trabalho de muitos cientistas.

Nota: O tema é relacionado á questão da singularidade tecnológica. Pelo volume e profundidade do que seja hoje uma descoberta científica, ela, com significativa probabilidade, obrigatoriamente é coletiva.


7- O pesquisador precisa propor novas leis da natureza para poder explicar sua descoberta;


Uma nova lei da natureza, invocada para explicar algum resultado extraordinário, não deve entrar em conflito com o que já é conhecido. Se temos de mudar as leis existentes da natureza ou propor novas leis para explicar uma observação, (o apresentado) é quase certamente errôneo.

Comecei esta lista de sinais de alerta para ajudar os juízes federais a detectar um absurdo científico. Mas, assim que terminei a lista, percebi que em nossa sociedade cada vez mais tecnológica, perceber “ciência vodu” é uma habilidade que todos os cidadãos devem desenvolver.