quarta-feira, 24 de maio de 2017

Notas biopoéticas 7 - 12

E segue minha garimpagem “de um princípio tão simples”...



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Last Universal Common Ancestor had a complex cellular structure - news.illinois.edu/blog/view

Novas evidências sugerem que LUCA era um organismo sofisticado, afinal de contas, com uma estrutura complexa reconhecível como uma célula, relatam os pesquisadores. Seu estudo aparece na revista Biology Direct. O estudo dá suporte a uma hipótese de que a LUCA pode ter sido mais complexo do que os organismos mais simples vivos hoje, disse James Whitfield, professor de entomologia em Illinois e co-autor do estudo.

A estimativa do conteúdo de genes de LUCA parece ser substancialmente mais alta do que a proposta anteriormente, com um número típico de mais de 1000 famílias de genes, das quais mais de 90% também são funcionalmente caracterizadas. Um genoma bastante complexo semelhante ao dos procariotas livres, Com uma variedade de capacidades funcionais, incluindo transformação metabólica, processamento de informação, membrana / proteínas de transporte e regulação complexa, compartilhada entre os três domínios da vida, emerge como o progenitor mais provável da vida na Terra.

Ouzounis CA1, Kunin V, Darzentas N, Goldovsky L.; A minimal estimate for the gene content of the last universal common ancestor--exobiology from a terrestrial perspective. Res Microbiol. 2006 Jan-Feb;157(1):57-68. Epub 2005 Dec 19. -  www.ncbi.nlm.nih.gov

Resumo
Usando um algoritmo para a inferência do estado ancestral do conteúdo de genes, dado um grande número de seqüências de genomas existentes e uma árvore filogenética, pretendemos reconstruir o conteúdo do gene do último antepassado comum universal (LUCA), uma hipotética forma de vida que presumivelmente foi o progenitor Dos três domínios da vida. O método permite a perda de genes, anteriormente considerada um fator principal na formação do conteúdo de genes, e assim a estimativa do conteúdo de genes de LUCA parece ser substancialmente mais alta do que a proposta anteriormente, com um número típico de mais de 1000 famílias de genes, das quais mais Mais de 90% também são funcionalmente caracterizados. Mais precisamente, quando apenas consideram-se procariontes, o número varia entre 1006 e 1189 famílias de genes enquanto quando eucariotas também são incluídos, este número aumenta para entre 1344 e 1529 famílias dependendo da árvore filogenética subjacente. Portanto, a crença comum de que o genoma hipotético de LUCA deve se assemelhar aos dos genomas sobreviventes mais pequenos de parasitas obrigatórios não é suportado por avanços recentes na genômica computacional. Em vez disso, um genoma razoavelmente complexo, semelhante aos dos procariotas de vida livre, com uma variedade de capacidades funcionais, incluindo transformação metabólica, processamento de informação, proteínas de membrana / transporte e regulação complexa, partilhada entre os três domínios da vida, surge como o progenitor mais provável Da vida na Terra, com profundas repercussões na exploração planetária e na exobiologia.

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Ao que me parece, este link encontra-se morto, e não localizei o artigo, logo, o reproduzo.

Nos nossos arquivos: Fabiano Menegidio - Do po da Terra o homem Da roupa suja o rato

Do pó da Terra: o homem; Da roupa suja: o rato - Fabiano Menegidio.

"In essence, once upon a time, there was a dead rock that oozed non-living, primeval, prebiotic, organic soup (Lahav, 1999; Miller and Levine, 1991; Hoyle and Wickramasinghe, 1978). One day, lightning struck, and that soup came to life."

Tradução: “Em essência, havia uma vez uma rocha morta que exsudava sopa não-viva, primitiva, prebiótica e orgânica (Lahav, 1999; Miller e Levine, 1991; Hoyle e Wickramasinghe, 1978). Um dia, um raio atingiu, e aquela sopa veio à vida.”
Um dos argumentos contrários mais lidos e propagados quando se fala da Teoria da Evolução é o da impossibilidade do surgimento da vida por processos relacionados a abiogênese. Os críticos geralmente iniciam sua alegação com base em argumentos falaciosos como "todos evolucionistas acreditam que a vida veio do nada" e vinculam essa informação a abiogênese para depois refutá-lo com frases como "Pasteur e outros cientistas provaram que não existe a geração espontânea e estabeleceram a 'Lei da Biogênese', ou seja, que somente vida gera vida". Um exemplo clássico desse argumento encontra-se nos textos "The Law of Biogenesis [1] [2]" e "É a abiogénese irrelevante para a teoria da evolução?" de Jeff Miller.
A frase em destaque acima está disponível na primeira parte do texto "The Law of Biogenesis" e podemos notar a construção com base em três citações provenientes de livros de um grande e robusto espantalho para ser atacado pelos corvos da incredulidade. O autor tenta nos convencer que os teóricos evolucionistas acreditam que a vida surgiu através de um simples raio que atingiu uma pedra existente em uma sopa primordial e que graças a esse evento único todos os seres vivos teriam surgido.
A ideia apresentada pelo autor pode ser identificada como uma falácia conhecida como falácia do homem de palha (ou falácia do espantalho), onde um dos debatedores substitui um determinado argumento por uma versão distorcida e exagerada, e que representa de forma errada esta posição. Geralmente essa falácia surge de forma proposital para facilitar a refutação de um argumento, mas pode ocorrer que surja também quando o interlocutor não entende o argumento que deseja refutar.
Os dois textos são exemplos de um erro básico propagado pelos críticos das teorias evolutivas (desde o surgimento do Darwinismo até a Teoria Sintética da Evolução) de que essas teorias tentam explicar o surgimento da vida na Terra, as vezes advogando que a Teoria da Evolução tenta explicar até o surgimento do Universo.
Desde o seu surgimento a Teoria da Evolução não tenta explicar a Origem da Vida e nem a do Universo, mesmo ambos sendo fatores importantes para que a Evolução exista. Da mesma forma que não precisamos de um conhecimento histórico de como surgiu o primeiro automóvel para dirigi-lo e entender seu funcionamento, não precisamos saber quais foram os fatores relacionados ao surgimento da vida para entende-la e analisarmos se a mesma evoluiu ou não. Para a Teoria Sintética da Evolução não importa se a vida surgiu pela hipótese heterotrófica, pelos modelos hidrotermais, pelos modelos abstratos, pelos modelos metabólicos, através do "Mundo de RNA", pela Panspermia, pela Ecopoese, por uma ação divina, através de testes alienígenas, ou qualquer outra concepção; o que importa é que após o seu surgimento, a vida não permaneceu estática na Terra como defendido pelos Fixistas e que essa vida teve uma ancestralidade comum com base em todas as evidências corroboradas.
Os textos também falham em definir a abiogênese e os ditos experimentos que invalidaram essa hipótese. O termo abiogênese na história da Ciência pode ser empregado para pelo menos duas hipóteses diferentes : "geração espontânea e origem química da vida".
Costuma-se dizer frequentemente que todas as condições necessárias para o surgimento de um ser vivo encontram-se presentes agora como sempre se encontraram. Mas se (e como é grande esse se!) nós pudéssemos imaginar que, nos dias de hoje, em alguma poçazinha tépida, com todos tipos de sais amoníacos e fosfóricos, luz, calor, eletricidade, etc., estando presentes, um composto protéico estivesse quimicamente formado e pronto para sofrer mudanças mais complexas, tal composto seria imediatamente devorado ou absorvido, o que não teria ocorrido antes dos seres vivos terem sido formados.
Charles Robert Darwin
Tratando-se da primeira definição, ela foi defendida por diversos filósofos e pensadores como Anaximandro, seu pupilo Anaxímenes, Xenófanes, Parmênides, Empédocles, Demócrito, Anaxágoras, Thales, Platão, Epicuro, São Tomás de Aquino, Paracelso, Goethe, Copérnico, Galileu, Francis Bacon, Descartes, entre outros; sendo que esse processo era explicado de diferentes formas por cada filósofo citado. Um dos maiores defensores dessa visão foi Aristóteles que juntou diversos conceitos anteriores e formulou uma síntese que foi utilizada e defendida por muito tempo. Em sua síntese, Aristóteles descrevia que os animais eram gerados normalmente por organismos idênticos, mas podiam também originar-se de matéria inerte. Ele dizia que todas as coisas possuíam um "principio passivo" que seria a matéria e um "principio ativo" que seria a forma, com isso todas as coisas existentes surgiam através de uma conjugação de principio ativo e principio passivo. Essa ideia foi transmitida durante os séculos seguintes por um grande número de pensadores, sendo que pesquisadores sérios chegaram a produzir receitas para geração espontânea de organismos, como o médico Johann Baptista van Helmont que sugeriu a seguinte receita para produção de camundongos: "num jarro, colocar algumas roupas de baixo suadas e depois cobrir com trigo, após 21 dias ocorre a geração de camundongos adultos e totalmente formados".
Diferente do que é pregado pelos críticos da Teoria da Evolução, a hipótese da geração espontânea defendia o surgimento de seres vivos totalmente formados a partir da matéria inanimada num curto espaço de tempo e não o surgimento da vida primitiva através de matéria inorgânica. Essa visão de abiogênese aristotélica ficou bem estabelecida durante séculos na comunidade cientifica e chegou a ser defendida, por exemplo, por Lamarck que acreditava numa transmutação das espécies mas dizia que as espécies mais basais surgiam por geração espontânea e se transformavam nas mais complexas com o passar do tempo, nos levando a existência de espécies mais e menos complexas durante o tempo geológico (nesse caso com grau progressista, por Lamarck acreditar nessa característica evolutiva). Essa hipótese só foi desacreditada pela comunidade científica depois dos experimentos realizados por Pasteur e Tyndall que comprovaram em definitivo a impossibilidade de surgimento de seres vivos totalmente formados a partir da matéria inanimada num curto espaço de tempo e não que a vida extremamente primitiva não possa se formar a partir de moléculas cada vez mais complexas.
Já a segunda definição para abiogênese está interligada a área de estudo da origem química da vida, as vezes chamada de evolução química (vale destacar novamente que mesmo utilizando-se da palavra evolução essa linha de pesquisa não está ligada na Teoria Sintética da Evolução), biopoese (do grego bio, vida, + poiéo, produzir, fazer, criar) e até mesmo sendo definida como biogênese na visão de Teilhard de Chardin. Diferente do conceito aristotélico, essa forma de abiogênese não propõe o surgimento espontâneo de formas de vida complexa e sim o surgimento da vida desde moléculas simples até formas mais complexas, onde essas moléculas precursoras estariam entre a "vida" e "não vida" de forma muito similar aos príons e vírus hoje. Outro ponto interessante de se destacar é que diferente do espantalho criado por Jeff Miller, essa vida não teria surgido em um evento único podendo ter surgido em diversos momentos do tempo geológico e de formas diferentes, passando por processos de extinção até se fixar. Dentro dessa visão de origem existem diversas hipóteses de como foi o surgimento da vida, sendo que todas são órfãs e não fazem parte da Síntese Evolutiva. Uma dessas teorias seria a heterotrófica criada por Oparin que defende que compostos orgânicos teriam sofrido reações em um ambiente aquoso que os levava a níveis crescentes de complexidade molecular, eventualmente formando agregados coloides, ou coacervados. Dentro dessa definição de abiogênese também temos a hipótese do "Mundo de RNA" proposta por Walter Gilbert, em que o mundo atual com vida baseada principalmente no DNA e proteínas foi precedido por um mundo em que a vida era baseada em RNA. Essas duas teorias não são as únicas hipóteses que tentam explicar o surgimento da vida dentro desse contexto de abiogênese existindo muitas outras, como a Panspermia (surgimento da vida fora da Terra) e a Ecopoese. Além disso, essas teorias podem ser complementares e não trabalharem de forma isolada, pois poderiamos ter um surgimento da vida por processo de Panspermia baseada em formas de RNA e sua evolução para a vida composta de DNA.
Como observado por James Hutton enquanto formulava a corrente de pensamento geológico conhecida como uniformitarismo: "os acontecimentos do passado são resultado de forças da Natureza idênticas às que se observam na atualidade", nesse caso o não conhecimento de como realmente a vida surgiu não atrapalhará em nada o entendimento de como ela se comporta e como se comportará no decorrer do tempo.
Ambos os artigos citados forneceriam muito mais conteúdo para refutações como a tentativa de interligar a Teoria Evolutiva ao Ateísmo, a afirmação de existência de uma Lei da Biogênese e as ditas admissões de evolucionistas sobre a abiogênese, mas deixarei esses temas para artigos futuros.
O que vale comentar novamente no final desse artigo é que as hipóteses para o surgimento da primeira forma de vida não fazem parte do escopo de explicação da Teoria Sintética da Evolução e a ausência de uma boa explicação atualmente não invalida os estudos sobre a evolução e surgimento das espécies no decorrer do tempo geológico.

Recomendação para leitura:
From spontaneous generation to prebiotic chemistry
Dimas A. M. Zaia
Departamento de Química, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, CP 6001, 86051-990 Londrina, PR

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Uma imagem para explicar uma coisa simples, necessária, julgo, ao texto anterior.

Somos descendentes de LUCA, mas não é isso afirmar que LUCA não seja descendente de uma outra árvore “menor”, “anterior” da vida.



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ORIGEM DA VIDA PODE TER ENCONTRADO O SEU ELO PERDIDO  - netnature.wordpress.com

Nos nossos arquivos: docs.google.com

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Keller MA, Turchyn AV, Ralser M; Non-enzymatic glycolysis and pentose phosphate pathway-like reactions in a plausible Archean ocean; Mol Syst Biol. 2014 Apr 25;10:725. doi: 10.1002/msb.20145228. - www.ncbi.nlm.nih.gov
Resumo

As sequências de reação do metabolismo central, da glicólise e da via de pentose fosfato proporcionam precursores essenciais para ácidos nucleicos, aminoácidos e lípidos. No entanto, suas origens evolutivas ainda não são compreendidas. Aqui, nós fornecemos a evidência que a sua estrutura poderia ter sido dada forma fundamental pelos ambientes químicos gerais nos oceanos mais adiantados da terra. Reconstruímos cenários potenciais para oceanos do Arqueano prebiótico com base na composição de sedimentos iniciais. Relatamos que o meio de reação resultante catalisa a interconversão de metabólitos que em organismos modernos constituem a glicólise e a via de pentose fosfato. As 29 reações observadas incluem a formação e / ou interconversão de glicose, piruvato, o precursor de ácido nucleico ribose-5-fosfato e o precursor de aminoácido eritrose-4-fosfato, reações anti-retroativas semelhantes às utilizadas pelas vias metabólicas. Além disso, o mimético do oceano Arqueano aumentou a estabilidade dos intermediários fosforilados e acelerou a taxa de reações intermediárias e a produção de piruvato. A capacidade catalítica do ambiente oceânico reconstruído era atribuível ao seu conteúdo em metais. As reações foram particularmente sensíveis ao ferro ferroso Fe (II), que se entende ter tido altas concentrações nos oceanos arqueanos. Estas observações revelam que as sequências de reação que constituem o metabolismo central do carbono poderiam ter sido limitadas pelo ambiente oceânico rico em ferro do Arqueano primitivo. A origem do metabolismo poderia assim remontar ao mundo prebiótico.

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Um artigo brasileiro apresentado pelos defensores do DI como uma “prova” de que a origem da vida não ocorreu por processos naturais.

Synthetic Routes of the Fundamental Building Blocks of Life: Computational Study of The Reaction Free Energy Kelson M. T. Oliveira & Elaine Harada

Revista Processos Químicos / SENAI. Goiânia, v.9, n.18, ano 9, jul/dez 2015. Edição Especial XVIII SBQT - pg 139 - www.senaigo.com.br

Nos nossos arquivos:  

Revista Processos Quimicos SENAI - JULDEZ2015 - ED ESP  - drive.google.com

Vamos direto para as conclusões:

“Nenhuma das reações abióticas investigadas da síntese de ácidos nucleicos mostrou DGr positiva em todos os seus estágios. Os valores calculados não contemplam uma ocorrência espontânea destas reações de forma abiótica. A formação de seqüências de nucleotídeos, considerando a presença de todos os componentes em um ambiente de reação abiótica, também resultou em valores positivos. Neste caso, mesmo com todos os componentes presentes, não há formação de sequências de nucleótidos. Na presença de desoxinucleótidos completos existe a possibilidade de formação espontânea de sequências maiores. No entanto, a formação destes desoxinucleótidos permanece não espontânea, o que impede a geração de sequências mais longas. Finalmente, as reações com nucleósidos completos que exibem uma ponte fosfodiéster, não garantem que sequências de ADN maiores possam ser formadas continuamente. Portanto, sugere-se que outras reações e propostas devem ser investigadas exaustivamente antes de dar uma palavra final sobre o aparecimento de bases de vida a partir de um ambiente abiótico.”

Exato!

As reações não se deram por apenas os reagentes propostos, mas pela ação de catálise, tanto de argilas (entre outros minerais propostos) como já por primeiro peptídeos formados até por colisões de cometas e asteroides.

Aqui, nesta série, serão encontradas referências destes processos e suas diversas hipóteses.

Já as polimerizações posteriores, na macroestrutura que é o RNA, é também conduzida por polimerases (o mais correto seria dizer “protopolimerases”, mas espero ter ficado claro o conceito, e não se dá “ao acaso”. Isto é a falácia de Hoyle, mesmo que sutilmente modificada.

O artigo se torna muito útil por compilar as diversas rotas “isentas de catalisadores” propostas para a formação dos nucleotídeos, e aqui, devemos destacar, pode ter havido um período na origem da vida em que haviam “protonucleotídeos”, que não sobreviveram a seleção química que resultou nos atuais.

.Assim, o que o artigo corrobora é o que já sabemos, que as rotas exigem catálise, e não corrobora - e nem poderia, que as rotas não ocorreram.



sexta-feira, 19 de maio de 2017

Poincaré, sobre evolução, origem da vida e “leis” científicas - 2



Capa de uma edição em inglês - Goodreads


“E já que pronunciei a palavra “evolução”, desfaçamos mais um mal-entendido. Dizemos com frequência “Quem sabe se as leis não evoluem, e se não descobriremos um dia que, no período carbonífero, não eram o que são hoje?”. O que devemos entender com isso? Deduzimos o que cremos saber do estado passado de nosso globo do seu estado presente. E essa dedução se faz por meio das leis supostamente conhecidas. Sendo a lei uma relação entre o antecedente e o consequente, permite-nos, com a mesma facilidade, deduzir o consequente do antecedente, isto é, prever o futuro, e deduzir o antecedente do consequente, isto é, deduzir o passado do presente.”

Na verdade, não temos como dizer, mesmo com as observações astronômicas (que veem, lembremos, o distante passado) que as lei da natureza se comportem estavelmente no tempo.

Num exemplo destacado, não podemos dizer que E=mc² assim o é para toda a história do universo, tanto para o passado quanto para o futuro. Esta equação pode ter constantes escondidas (de nós, ainda) que não percebemos, nem pela experimentação e observação, nem por desconhecermos certas premissas de nossas teorizações físico-matemáticas.
Exatamente nesse campo, operam teorias como a VLS (Variable Speed of Light), colocando que talvez para certas temperaturas e densidades a natureza comporte-se com variações do que seja a Relatividade. Por analogias, seriam teorizações que lembram as correções para altas velocidade e altos campos gravitacionais que a Relatividade fez para a Mecânica de Newton.

“Pela lei de Newton, o astrônomo que conhece a situação atual dos astros pode deduzir, a partir desta, sua situação futura, e é o que faz quando constrói efemérides; e pode igualmente deduzir, da situação atual, sua situação passada. Os cálculos que assim poderá fazer não poderão informá-lo de que a lei de Newton deixará de ser verdadeira no futuro, já que essa lei é precisamente seu ponto de partida; também não poderão informá-lo de que ela não era verdadeira no passado.”
O interessante é que em Poincaré se encontram alguns dos embriões do que seriam as implicações do “problema dos três pontos”, mostrando que para intervalos de tempo mais amplos, sistemas como o sistema solar não são estáveis, e nessa instabilidade, são um tanto imprevisíveis (e cada vez mais imprevisíveis na medida que o intervalo de tempo tratado expande-se).

Façamos uma rápida tradução:


O problema de encontrar a solução geral para o movimento de mais de dois corpos em órbita no sistema solar havia escapado de matemáticos desde a época de Newton. Isto foi originalmente conhecido como “o problema de três corpos” e mais tarde o “problema de  n-corpos”, em que n é número qualquer de mais de dois corpos em órbita. A solução para  n-corpos foi considerada muito importante e desafiadora no final do século XIX. De fato, em 1887, em homenagem ao seu aniversário de 60 anos, Oscar II, Rei da Suécia, aconselhado por Gösta Mittag-Leffler, estabeleceu um prêmio para quem conseguisse encontrar a solução para o problema. O anúncio foi bastante específico:

“Dado um sistema de arbitrariamente muitos pontos de massa que atraem a cada um de acordo com a lei de Newton, sob a suposição de que não há dois pontos que nunca colidem, tentar encontrar uma representação das coordenadas de cada ponto como uma série em uma variável que é alguma função conhecida de tempo e para todos cujos valores da série converge uniformemente.”

Em caso do problema não poder ser resolvido, qualquer outra contribuição importante para a mecânica clássica seria então considerada digna do prêmio. O prêmio foi finalmente concedido a Poincaré, mesmo que ele não tenha resolvido o problema original. Um dos juízes, o distinto Karl Weierstrass, disse: "Este trabalho não pode, efetivamente, ser considerada como fornecendo a solução completa da questão proposta, mas que não deixa de ser de tal importância que a sua publicação vai inaugurar uma nova era na história da mecânica celeste." (A primeira versão de sua contribuição ainda continha um erro grave; para mais detalhes veja o artigo de Diacu). A versão finalmente impressa continha muitas ideias importantes que levaram à teoria do caos. O problema como referido inicialmente, finalmente, foi resolvido por Karl Sundman para n = 3, em 1912 e foi generalizado para o caso de n> 3 corpos Qiudong Wang na década de 1990.

Ref.:

Diacu, F. (1996), "The solution of the n-body Problem",The Mathematical Intelligencer, 18 (3): 66–70, doi:10.1007/BF03024313

Recomendo: en.wikipedia.org - N-body problem

“Ainda no que concerne ao futuro, suas efemérides poderão ser um dia verificadas, e nossos descendentes talvez reconheçam que elas eram falsas. Mas no que concerne ao passado, o passado geológico que não teve testemunhas, os resultados de seu cálculo, como aqueles de todas as especulações em que procuramos deduzir o passado do presente, escapam, por sua própria natureza, a todo tipo de controle. De modo que se as leis da natureza não fossem as mesmas na idade carbonífera e na época atual, jamais poderíamos sabê-lo, já que só podemos saber dessa idade aquilo que deduzimos da hipótese da permanência dessas leis.”

Realmente, para questões físicas, químicas, a própria Geologia, não temos problema que as leis físicas (de onde tudo deriva) comportem-se com a estabilidade que vemos hoje. Mesmo a história da Terra não entra nos aspectos de uma possibilidade por densidade e temperatura de todo universo influírem nessas conjecturadas variações.

E como podemos afirmar tal coisa?

Exatamente pelas observações astronômicas, onde há muito já ultrapassamos a visualização de tempos-distâncias da escala de 4,5 bilhões de anos.

Retomemos dois pontos meus:

“Dado que paleociências não lidam com observações diretas dos fenômenos que ocorreram no passado não observável, mas sim com os seus efeitos, elas são muitas vezes referidas como ciências históricas. Isso diferencia-as da ciência empírica que se baseiam principalmente na possibilidade de realizar várias vezes o experimento. Como não é possível viajar de volta no tempo e observar diretamente os fenômenos passados, estas ciências são dependentes de pressupostos que são, em princípio, não absolutamente verificáveis. Assim, a visão de mundo do cientista, as considerações sociológicas e psicológicas, e a pressão política pode desempenhar um papel preponderante no processo de seleção dessas hipóteses explicativas, bem como na interpretação dos resultados atuais e os efeitos dos fenômenos observados no passado.”

Cleland, C.E. (September 2002). "Methodological and Epistemic Differences between Historical Science and Experimental Science" (PDF). Philosophy of Science 69: 474–496.

Scientia est Potentia - Filosofia e Evolução e a Evolução da Filosofia

“Logicamente, devemos destacar que ainda não temos máquina do tempo para realizar observações, para de uma maneira empírica poder testar o que aconteceu há milhões de anos, um a-historicismo do materialismo mecanicista, especialmente, no caso, na paleontologia, igualmente aplicável em geologia, astrofísica e cosmologia, ciências com afirmações históricas, no caso, respectivamente, a história da vida, a história da Terra, do sistema solar e dos demais corpos celestes e do próprio universo. “

Scientia est Potentia - Mostre-me o universo... I

Como seguidamente relembro alguns, mesmo o grande Popper errou nisso.


“Dirão talvez que essa hipótese poderia levar a resultados contraditórios, e que seremos obrigados a abandoná-la. Assim, no que concerne à origem da vida, podemos concluir que sempre houve seres vivos, já que o mundo atual nos mostra sempre a vida brotando da vida; e podemos concluir também que nem sempre houve vida, já que a aplicação das leis atuais da física no estado presente de nosso globo nos informa de que houve um tempo em que esse globo era tão quente, que a vida nele era impossível. Mas as contradições desse tipo sempre podem ser eliminadas de duas maneiras: podemos supor que as leis atuais da natureza não são exatamente aquelas que admitimos; ou então, supor que as leis da natureza são atualmente aquelas que admitimos, mas que nem sempre foi assim.”

Aqui, percebemos a influência da “lei da biogênese”, destacadamente a partir de trabalhos de Pasteur, destruindo a geração espontânea, mas ainda num tempo que não se entendia a biopoese nem em seus mínimos fundamentos, como a escala planetária, os tempos de reação, etc.
"La génération spontanée est une chimère" - Louis Pasteur
("A geração espontânea é uma quimera").

Poincaré, aqui, parte de premissas que são falsas, mas entendidas no seu tempo, curiosamente, parece-me, o colocam numa posição de interessante “demarcação”.

Evidentemente, a “lei da biogênese” não é mais sequer uma lei física, uma lei química (e estas são no fundo leis físicas) e sequer um real impedimento a ser tratado, pois nosso conhecimento a tornou, como afirmação, uma questão na realidade obsoleta.

Notemos que ele mesmo aponta os princípios - premissas verdadeiras - que apontam, por exemplo, que obviamente um elefante não existiria num determinado ponto no passado, e mesmo uma bactéria, a mais simples produzida pela própria biopoese, poderia existir.

“É claro que as leis atuais jamais serão suficientemente bem conhecidas para que não se possa adotar a primeira dessas duas soluções, e para que sejamos forçados a concluir pela evolução das leis naturais.”

Imaginemos uma mente como a de Poincaré ao nosso lado, com o que hoje sabemos da história da Terra e do universo, e os mecanismos e geoquímicos e bioquímicos que já conhecemos. Lembremos que sequer a genética era realmente conhecida aos tempos de Poincaré.

“Por outro lado, suponhamos uma tal evolução: admitamos, se quiserem, que a humanidade dure o bastante para que essa evolução possa ter testemunhas. O mesmo antecedente produzirá, por exemplo, consequentes diferentes no período carbonífero e no período quaternário. Evidentemente, isso quer dizer que os antecedentes são mais ou menos iguais; se todas as circunstâncias fossem idênticas, o período carbonífero se tornaria indiscernível do período quaternário.”
Primeiro, perdoemos os termos de períodos geológicos de Poincaré, não são os atuais os mesmos de seus tempos. Em segundo, excluamos afirmações sobre “leis físicas”, o básico do comportamento geológico da Terra manteve-se estável esses últimos três bilhões de anos, onde se dão significativas variações das formas de vida da Terra. O que produzia percepções de variações nos fósseis da Terra ao longo de sua história, produzindo até os termos dos períodos geológicos aos tempos de Poincaré e ainda hoje é a sucessão de flora e fauna (e ironizando meus amigos das biológicas, “fungia”) que sempre ocorreu na Terra, exatamente pois a vida evolui. As características anteriores a uns 3,7 bilhões de anos, essas realmente significativas, de composição da atmosfera e oceanos, realmente, marcam significativas diferenças, e retrocedendo, sequer dispúnhamos de algo chamável de oceanos, pois a temperatura não permitia água líquida.

Uma observação: As variações de composição da atmosfera, como a destacada do Carbonífero, não fazem sombra às enormes diferenças com a atmosfera dos períodos anteriores a biopoese, pois, coloquemos a coisa mais importante, a própria modificação de redução de metano e abundância de oxigênio só foram possíveis graças às diversas formas de vida.

Uma segunda observação: A certeza que se dá de termos um passado “ígneo”, de alta temperatura na superfície ao ponto de nossa crosta terrestre ainda não existir, é a absorção da energia cinética dos planetesimais  como calor  na formação do sistema solar, e mais adiante a própria formação da Lua, cada vez mais confiável de ter se dado por um grande impacto, com um corpo da escala de Marte. A vida só foi possível após a absorção desse calor em novos impactos ter sido equilibrada com a perda de radiação para o passado e na dissipação para toda a crosta, atmosfera e até os já oceanos. Somos frutos, pois, de um “resfriamento”.


“Evidentemente não é isso que se supõe. O que permanece é que tal antecedente, acompanhado de tal circunstância acessória, produz tal consequente; e que o mesmo antecedente, acompanhado de outra circunstância acessória, produz outro consequente. O tempo não tem influência na questão.”
Aqui, exatamente pela pouca cultura sobre a história da Terra, do sistema solar e da vida por Poincaré, ele erra, mas algumas leis gerais podem ser percebidas, ainda atuantes, as leis da Termodinâmica e as implicações da gravitação, e nos basta a de Newton.


“A lei, tal como a teria enunciado a ciência mal informada, e que tivesse afirmado que determinado antecedente produz sempre determinado consequente, sem levar em consideração as circunstâncias acessórias, essa lei — digo —, que era apenas aproximada e provável, deve ser substituída por uma outra lei, mais aproximada e mais provável, que faz intervirem essas circunstâncias acessórias.”

Eis onde Poincaré acerta!

Havendo a biopoese (o que “quebraria” a “lei de biogênese”, digamos grosseiramente uma primeira “geração espontânea”), estabeleceu-se um novo conjunto de lei de comportamento do natural (os seres vivos) dentro do “uso” das leis físicas, e o processo evolutivo seguiu-se pelos períodos geológicos.

Mas notemos que a primeira “geração espontânea” não necessariamente é única, e podemos ter passos em paralelo nos primeiros momentos de formação da vida, tanto de moléculas replicantes como nas primeiras “proto-células”, mas não temos hoje evidência alguma que o processo, a não ser nesses momentos extremamente iniciais, tenham sobreviventes hoje vivos (e melhor seria dizer “ativos”).
“Portanto, recaímos sempre no mesmo processo que analisamos acima, e se a humanidade viesse a descobrir alguma coisa desse tipo, não diria que foram as leis que evoluíram, mas sim as circunstâncias que se modificaram.”

Como vemos ao longo desse tratamento desse texto de Poincaré, como sempre, os pensadores do passado, dadas suas limitações de informações, mostram-se incapazes de tratar certos aspectos da natureza, de onde não podem construir afirmações científicas, nem como divulgação de certos conceitos.

Lembremos a feliz “molécula da genética” (o conceito) de Erwin Schrödinger, em “O que é vida?”, mas o relativamente infeliz termo “cristal” e o contexto biológico no qual o coloca:

“A química orgânica, de fato, ao investigar moléculas cada vez mais complicadas, chegou muito mais perto daquele “cristal aperiódico” que, em minha opinião, é o portador material da vida. “

E mais adiante:

“Isso parece muito trivial, mas, na verdade, acredito, toca o ponto central. Mecanismos são capazes de funcionar “dinamicamente" porque são constituídos de sólidos, que são mantidos em sua forma pelas forças de London-Heitler, fortes o suficiente para evitar a tendência à desordem do movimento térmico à temperatura normal. Neste momento, acredito que algumas palavras mais são necessárias para descobrir o ponto de semelhança entre mecanismo e organismo. Ele se assenta, simplesmente, no fato de que o último também se vale de um sólido - o cristal aperiódico constituinte da substância hereditária, o qual muito se afasta da desordem do movimento térmico. Mas, por favor, não me acusem de chamar aos cromossomos "engrenagens da máquina orgânica" - pelo menos não sem uma referência às profundas teorias físicas sobre as quais se baseia a semelhança. “

Ref.: Schrödinger, Erwin. O que é Vida? O Aspecto Físico da Célula Viva Seguido de Mente. São Paulo: UNESP, 1997. ISBN 85-7139-161-0.

Porém, nos mesmos textos, encontramos a solidez de dois grandes pensadores em entender profundamente a Ciência de seu tempo, e fazer previsões, ainda que com imensas limitações, do que passaríamos em breve a conhecer, e por sorte e para nossa felicidade, os complementar e até os corrigir.